Quando toda a cidade havia reparado na repentina mudança eu ainda
não sabia o que estava acontecendo.Era época de ventanias e todos os
objetos leves dançavam pelo ar.Confesso que as lojas de chapéis lucravam
muito.Só naquela semana o vento já havia me tirado dois.Por um motivo
que ninguém sabia,as ruas estavam cheias de textos não assinados.Algumas
pessoas-como eu- nem notaram aquelas folhas de caderno,cada uma de uma
cor.Todos tinham o tema diferente.Pensei que aquilo não passava de uma
brincadeira e que nos próximos dias tudo acabaria,mas para a minha
surpresa,não acabou.
Foi na volta do trabalho que vi uma cena surpreendente: Um garoto
sentado em um banco da pracinha,escrevendo em um caderno todo azul-em
algumas partes do caderno estavam coladas algumas figurinhas de futebol-
e quando terminava de escrever arrancava a folha do caderno e jogava
para o ar.Talvez aqueles textos jogados pelas ruas seriam dele.Ou talvez
seria apenas uma coincidência.Fiquei ainda mais meia hora por lá e
decidi ir embora.O garoto continuava escrevendo sem ter um limite.
No dia seguinte,passei pela a mesma praça e percebi que ele não
estava lá.Fui embora com a certeza de que aqueles textos não eram
dele,foi quando eu o vi sentando em frente a um campinho de
futebol.Pensei em me aproximar,mas como estava sempre escrevendo decidi
não atrapalhar.Naquele momento tive a certeza de que todos aqueles
textos eram obra daquele garoto de apenas 11 anos.Aquilo me deixava
muito curioso,afinal,como um garoto de tão pouca idade conseguia criar
histórias tão bem elaboradas.Escrevia não se importando com nada,só
queria terminar uma história para começar outra e espalhá-las,com a
esperança de que alguém leia.E alguns cidadão leram.Amigos meus da firma
me disseram que nunca alguém escreveu histórias tão simples,mas que são
tão verdadeiras.Comprei um caderno novo para ele -azul com listras
brancas-e um estojo completo.
Fui à procura do garoto.Ele não estava na pracinha,nem sentado no
campinho de futebol.Estaria olhando para uma loja de brinquedos e se
imaginar lá dentro?Quem sabe até em um planalto,dando vida a suas
obras?Infelizmente ele não estava em nenhum desses lugares.Estava
escurecendo e nada dele.Onde estaria o menino que escreve de tudo e
deixa suas memórias correrem soltas pelo ar?Encontrei um texto dele-
acho que o vento me trouxe de presente- e me perguntei qual seria a sua
motivação.Encontrei o garoto deitado na grama de um parque.Fiz a
pergunta e ele não se ofendeu nem foi de falar muito,apenas disse? Olhe
para cima.O céu estava muito azul e quase não havia nuvens-um mar em
cima de nossas cabeças.Foi quando eu descobri a inspiração do garoto:
Ver o que os outros não vêem - ou ver as coisas de um jeito diferente.
Isso já faz um ano e hoje escrevo,mas não como aquele menino.Acho
que tudo na vida é uma questão de como vemos as coisas.Felizmente,o
garoto não conseguia enxergar a realidade,preso em suas memórias de
papel.