segunda-feira, 14 de novembro de 2016

Visita à loja de discos

Dessa vez não é e nem foi brechó. Foi um muquifo de lugar. Mas o que posso fazer, se só me resta este tipo de lugar mal frequentado para achar alguns LP’s?



E entro, encoxo, sufoco, esmago velhos nomes com o meu corpo. Acabo de pisar em Caetano. Ora, seu moço, me desculpe, por favor! Com o sorriso ainda no rosto, continuava com o microfone próximo à Laringe, chegando aos lábios, como se fosse cantar um de seus grandes sucessos. Nada fez, a cena parecia estar pausada naquela capa toda rasgada. Desculpei-me, mesmo assim.



Mais em cima, no ombro direito, as marcas da insônia da noite passada ainda estavam nele, encontro Gil, o Gilberto. Estava prestes a gritar por estar sendo dilacerado por mim . Retiro o ombro, como alguém que reage a uma descarga elétrica. Ainda está lá, gritando comigo. Faço o sinal da cruz e em seguida bato padê. Axé, seu Gil.

Foi com a testa que encontrei Renato. Por que ofereces uma rosa a mim, se gosto de orquídeas? Nenhuma resposta, só insistência. Mas que pena, sua rosa está toda mofada, assim como os morangos que comi ontem. Continua insistindo, mas para o que? Para que eu fique aqui? Para que eu vá embora? Para que eu insista em insistir em algo sem insistência?


O dono da loja pergunta se está tudo bem. Segurando Cássia Eller, digo que está e peço uma água gelada, no copo de vidro, por favor!



Algo pinica minha mão. Fico na dúvida se foi a Cássia, prestes a rugir para mim, ou o besouro que fazia do LP sua casa. Não se preocupe Cássia Eller, te coloco de novo na estante alfabeticamente empoeirada. Uma última espiada. Ia rugir, a qualquer momento, e eu não queria estar por perto quando isso acontecer.



A água veio em boa hora. O calor era de matar, a sede ia gritar de dor. Duas goladas, cuidado para não engasgar e acabar morrendo na frente de todas as vozes desse meu Brasil, que é meu, é seu, é nosso. Isso não aconteceu, graças a Oxalá.



Coloco o copo, com água condensada por todo o vidro, na bancada, bem em cima da praia do LP do Cícero. O que faz aqui, nesse fim de mundo? A água condensada escorre e vira parte do mar, criando ondas que transbordam até a areia, que respinga na bancada do vendedor, que derrama por todo o piso emborrachado. Eu não tô entendendo mais nada. O vendedor diz que isso é normal de acontecer, disse que é a “febre das novas vozes”. A água continua subindo. Toco na parede, que não é mais parede. Agora era areia fina, que despedaçava entre meus dedos. Chega! Já está no teto, não sei nadar!



Prendo a respiração, não tem para onde fugir. Abro os olhos dentro de todo o incolor da água. Estão todos ali, nadando sobre minha cabeça. Até você, Nando? Afinal, belo traje de banho!



Não vai dar, o fôlego tá acabando! Uma mão me puxa e vejo o dono dela. De repente, Tim Maia me puxa até uma pequena porta, que até então não existia, imersa dentro de toda aquela água. Uma última olhada para trás, adoro fazer isso, todos estão acenando, como se não fosse uma despedida. Abri a porta e, junto comigo, toda a água salgada e areia foram parar no meio-fio.



Encostado, perto da parede de uma casa vizinha e fumando, o dono da loja pede desculpas. É que eles se empolgam quando aparece gente nova. Volte sempre, mesmo que não leve nada.



O ponto de ônibus era logo em frente. A minha preocupação não era nem se o motorista ia me deixar entrar no ônibus todo encharcado e sim o que poderia acontecer quando eu botasse o LP do Cazuza pra tocar. O que se pode esperar de alguém exagerado?




( Fui embora a pé mesmo )

( O motorista não me deixou subir )

Camisa Listrada

Ela não é tão listrada, para ser sincero. É que listrado foi a primeira coisa que veio na cabeça.
A desgraçada pinica, enforca, tem o cheiro de outras pessoas – pessoas que sentenciei pena de morte -, amassa fácil, esquenta. A desgraçada continua sendo minha. Por que te uso, se não és um ser? Não há graça assim.

Tentei vendê-la no mercado negro, mas consideram perigosa demais. No banco, a mesma putaria. Reservam um cofre especial à ela.

Me faz mostrar todo o bem que o álcool e o cigarro fazem ao meu endoesqueleto e crosta, que antes era pele.

Já gritei, esmurrei. Saia da minha vida de uma vez por todas. Quero a alforria, correntes estraçalhadas no chão.

Agora noto um detalhe. Um detalhe que não é azul, mas sim vermelho. O mesmo vermelho de dentro das veias e artérias. O vermelho negro que coagula e me intoxica com seu plasma e linfócitos.

A noite chega e, raios, ela me tenta novamente. Não vou te obedecer, sim, vou te obedecer. Aquela mulher? Aquela criança? Como? Faca ou bala? No Brás? Liberdade? Metrô? Agora? Sim.

Prometo um dia me livrar deste objeto inútil, dotado de mistérios e perigos. Prometo um dia também saber o que é mais misterioso e perigoso: essa camisa listrada que não é listrada ou o dono que a veste. Talvez um pouco dos dois, mas a culpa de tudo ainda é dela. Só dela!

Milésimo texto sobre Clarice Lispector

Não prometo que este seja o último, pois assim eu estaria mentindo para os meus leitores. E olha só o ego urbano subindo até Jah!

Enquanto os adultos prestam atenção no Jornal das Nove, eu, um já adulto, nem sei ao certo quem vai jogar amanhã- seria o Vasco contra o Santos?-, muito menos a previsão do tempo. Chega de previsões!

Só queria dizer que a encontrei e dessa vez não foi por mero acaso. Eu senti falta daquele rosto, daquela palavra que só faz sentido quando ela escreve em seu diário- todo mundo deveria ter um. Mas por dentro de todo esse esperado, ela consegue surgir do seu antônimo, da sua antítese. Confesso, fui atrás do Caio. Quem não iria, justo em uma sexta-feira pós trampo?- e tava braba a coisa.

Tateando cada nome da estante mais alta. Grandes nomes. Pedi desculpas ao Machado, por só ler três das inúmeras lamentações realistas, ou naturalistas, romancistas?- não sei, esqueci meu caderno de não esquecer as coisas em cima da caixa de som da vitrola, que antes tocava a trilha sonora perfeita para uma tarde, noite, a própria rotineira manhã. Passei o olho, rápido como final de semana, quando vi Neruda, rezando para que ele não se lembre das minhas dívidas literárias.

Seguindo uma ordem não alfabética, nem numérica- aleatória mesmo-, encontrei o C de Caio, que não estava lá, mas uma capa chamativa me lembrou que C também é de Clarice e Clarice também ocupa um espaço na minha estante.

A capa era simples, mas muito bonita. Em um preto e branco, típico das fotos antigas, estava Clarice, ainda A Jovem Clarice, prestes a escrever para inúmeros jornais e revistas. Usando uma camisa de somente duas cores e um lenço no bolso esquerdo da camisa, folheia algo parecido com um jornal, enquanto segura um lápis com a mão direita. O relógio no pulso esquerdo indica que o expediente estava longe de acabar. Clarice não demonstrava alegria, muito menos tristeza, só aquela velha e sábia certeza de que era ali que deveria estar. Pra falar a verdade, não consigo me lembrar de qualquer foto dela sorrindo. E precisa sorrir para ser feliz? Com Clarice nunca foi assim.

O livro era chamativo. Repousava na minha mão, louca para abri-lo. Um detalhe passou despercebido. Uma frase. Jornalismo. Foi isso. Era possível fazer, criar, em uma redação?- São sinônimos?. Foi o que ela fez na Pan, na A noite.

Perguntei o valor para a atendente que lia Camões. Entreguei o livro na mão que antes usava de apoio para um outro grande escritor. Uma analisada, viu o rosto Ucraniano naturalizado brasileiro, reconheceu o rosto. Olhou uma última vez, só para ter certeza de não estar vendo assombração em plena terceira Revolução Industrial- ou seria a quarta? Quinta?Milésima?
O caixa perguntou se eu aceitava uma sacolinha. Afirmei com a cabeça, só para ser educado. Agradeci e logo depois voltei à rua. E foi ali mesmo, no meio de rico e pobre, preto e branco, sol e noite, que parei um instante, coisa de cinco minutos. Tirei o livro da sacola, guardando-a no bolso da calça e comecei a folhar página por página, assim como a Clarice da capa- no fim, descubro que são tantas Clarices por aí-, só que sem lápis na mão direita, nem com lenço no bolso esquerdo da camisa. Só estava eu, um simples ser bucólico, adepto à melancolias, hipócrita, rindo feito criança quando vai ao parque. Sozinho em uma multidão da metrópole. Eu e um livro. E claro, um pouco de Clarice nele. Livro por livro, parte por parte. Será que no fim desse quebra-cabeça vou parar de escrever sobre a Clarice? Dificilmente, não!


( Na volta para casa, o ônibus lotou e o trânsito castigou)
( Mais um dia normal )

Traços de Helen Palmer

1- A personagem pode ser compreendida
...
Tempos, muitos, depois e eu aqui querendo explicar um daqueles momentos que a gente senta a uma linda mesa- como a mesa da Santa Ceia- e a vida prepara uma lista com tudo de ruim e péssimo em cada tempo, tempo verbal, juntamente com uma não sucinta explicação sobre aquilo que queremos explicar, mas não pode ser explicado. O looping que isso dá causa ânsia e compulsão literária.
(Mas foda-se tudo isso)
2- Utilização do místico e metáforas para explicar uma sequência de ideias
...
Ela não deveria existir. Deveria ter permanecido em contos claricianos. Na verdade, não sei se é a mesma mulher. Ela é inconstante. De pseudônimo, passa a ser heterônimo – você não é o único, Fernando Pessoa, nunca foi – e fica nessa incorporação de nomes, personalidades, corpo, o próprio folclore. Por isso quero que entenda se houver um grave engano nisso tudo
( Apresentou-se como Helen Palmer, só isso)
3- A personagem demonstra dificuldade em descrever
...
Não sei definir seus cabelos. Na rua de sempre, mostram-se loiros. Na janela de sempre, passam de loiros para morenos. Na mesma tarde, enferrujam em um vermelho alaranjado. Na boemia, surpreende com seu poder afro
( Asé )
4 – Introdução à sexualidade (?)
...
Mas os seios, sempre os seios, permanecem iguais. Sem nada para cubri-los, salvo a fina renda da camiseta. Atrevo-me a olhar os dois bicos eriçados em cada encontro nosso.
( Mas ontem mesmo beijei Pedro, sem remorso )

5 – Desejo e ofício
...
Toda vez parece um jogo, que Helen sempre quer jogar. Sabe provocar e impor respeito. Quero me saciar em seus fartos lábios, quero provar do pecado da carne, ficar trancado em um quarto a noite inteira, ser dominador pelo menos dessa vez
( Mesmo tendo feito o voto ao celibato )
6 – Forte desabafo e predomínio do inconsciente
...
Então me diga, pelo menos dessa vez, onde estás. Diga logo!
A carne dilacera quando não mantém contato com a sua. Não amo Pedro, nem a você. Por que amar Helen e Pedro, aquele Pedro que cai em sua própria tentação, enquanto repousa nu no lado direito da minha cama? O esquerdo é analogia a coração, você deveria estar do lado esquerdo. Mas por que, se não te amo? Permaneço dormindo no meio, no meio da cama, no meio de tantas dúvidas.
( Você e Pedro são a mesma pessoa? )
7 – A personagem não pode mais ser compreendida, nem quem a criou consegue compreendê-la
...
Guardo-a com todos os traços merecidos. Nunca mais nos encontramos, só encontro Pedro. Não quero Pedro, nem quero você. Ou será que quero?
Por favor, venha me ver.
( Amanhã é missa de Páscoa )
(Esteja lá para se confessar no final )
( Como padre, te perdoo por seus pecados )
( Perdoo a Pedro também )

Ainda não sei escrever uma crônica

Desculpe, mas não consigo. Não dá! Continuo não entendendo muito bem o que vem a ser crônica. No colégio aprendi que crônica é um retrato/relato da realidade- ou era isso que eu “me recordo” de terem me contado. Mas pensando por esse lado, então tudo pode ser uma droga de crônica.

Até mesmo uma excelentíssima e autoral receita de feijoada. Mas como assim, feijoada? Pois é, até eu me surpreendi. Vejamos, o que vai em uma feijoada é o próprio retrato das condições de vida de quem a criou, não foi isso que aprendemos na quarta ou quinta série com aquele teatro improvisado que a professora insistia em fazer? Até eu me submeti a isso e fiquei muito feliz por ter feito o papel principal dessa história. Sim, eu fui o escravo, não aquela tal princesinha, com todo o respeito à ela, mas mantendo o criticismo em alta.

( Pensando que tudo pode ser uma crônica, isso complica a situação para a minha pessoa e o meu eu-lírico, aquele que sente por não entender algo tão simples )

Então acho que uma Terça-Feira normal pode ser transformada em crônica. Até mesmo aquele cara que sempre dorme no fundo do ônibus, já que desce sempre no ponto final, suponho- e suponho mais um pouco. A mulher que sempre pega o elevador comigo e sempre desce no andar errado- aqui é o oitavo? Não, senhora, aqui ainda é o sétimo, ótimo número, não acha?
Música? Música também pode. Modern Love , do David Bowie. Ouvi em um filme e só fui descobrir quem cantava quando procurei por ela. Mesmo não sendo fã de músicas lá de fora- prometo acabar com esse nacionalismo extremista para a música (?)- essa música tem algo que as outras não têm: persistência. Até agora só sei um trecho dela, aquela parte que junto com as guitarras ele diz Modern Love. Eu deveria estar fluente em Inglês, mas o nacionalismo não deixa- um pouco de cômodo também.

( Paro de escrever para fechar a janela. O vento frio da noite em contato com a minha pele cria aquele leve choque térmico. Até tu nas crônicas, frio, quê falta mais? )

Chego a triste conclusão de que escrever é uma tarefa difícil, principalmente se for para alguma coluna de jornal ou revista, agora não sei para quem é difícil: para quem escreve aquilo que é ordenado ou para quem lê e não encontra aquilo que procura. O risco é grande, não é mesmo?

Escrevo, escrevo e parece que nada sai. Gasto tempo e tinta da máquina. Uma pausa para ouvir a milésima briga de boêmios na rua. Aproveito para pegar um pouco de café, tirar o mofo de livros que em hipótese alguma devem estar mofados- somente morangos. Não tinha café, mas mofo tinha aos montes. Retorno para a Remington. Erro a letra-sem querer sai um H no lugar do G, Hostei do resultado.

Talvez não seja em uma Terça-Feira que eu entenda exatamente como é escrever uma crônica. Talvez isso seja uma crônica e eu esteja sendo piegas. Ou talvez eu de fato nunca escrevi uma crônica. Agora entendo o porquê de eu nunca ter ficado em primeiro nos concursos de crônicas do colégio. Só subi no pódio uma única vez, três anos atrás. Fiquei em terceiro, um número bom. Terceiro, três anos, mais de três tentativas de escrever do jeito certo – sou persistente. Gosto do meu certificado de terceiro lugar. Tá lá, meio empoeirado, mas meu nome continua lá, para eu mesmo vê-lo.


( Agora estou ouvindo Heroes)
(Espero que seja esse o nome correto)
(E que eu cante mais de um verso desta vez)

Texto livre sobre um almoço qualquer


O homem da cidade é único, acredito nisso. Acorda cedo pra trabalhar, acorda cedo pra protestar, acorda cedo por simplesmente decidir acordar. Perguntei-me se até mesmo aqueles que fazem a noite seu dia são assim ou se eu só estaria novamente com a velha crise de generalizar tudo que só penso uma vez. Falta empatia, isso falta.


Que fique bem claro o título que estampei acima. Que fique claro para a minha pessoa que estou alforriando este texto. Não há como prendê-lo, já que esqueci meu caderno de textos em cima da cabeceira. Pois bem, faça à tua vontade.

Isso foi em um almoço. Não foi o primeiro que tive, pelo menos sem ele. Ele era novidade. Estava em outra mesa, lendo um jornal de 2006. Os sapatos rasgados estavam desamarrados, a calça rasgada estava sem nem um mísero botão, a camisa rasgada estava suja, a face rasgada ainda tinha um pouco de sangue coagulado por conta da possível visita cortante de uma faca. Olhei novamente, estava do mesmo jeito. Parecia ocupado, conversando com a cadeira vazia ao seu lado. Pelo jeito sua companhia era divertida, pois não passava um minuto sem faltar o ar de tanto rir. 

Meu prato estava idêntico aos outros dias. A mesma quantidade de arroz sem a absurda quantidade de feijão- eu não deveria fazer isso, mas faço. Tudo estava igual, menos aquele homem. Ele tinha alguma coisa de diferente. O tempo estava a seu favor-então era isso. 

Comi rapidamente, para não estourar meu limite de tempo de almoço. Com o guardanapo, sempre do meu lado direito, limpei o resto de suco que ainda estava na minha boca. Olhei para o relógio, passara da hora de voltar, voltar para o mesmo lugar. Já aquele homem não precisava correr contra o tempo, na verdade talvez nem precisava saber o que é o tempo. Aquele era seu momento, um único momento. 

Ao sair da minha mesa, pensei ter sido chamado por aquele homem, mas estava falando novamente com seu amigo da cadeira ao lado- sim, havia alguém lá. 

No começo do texto eu disse que o homem da cidade é único. Talvez só exista um homem único, e é aquele homem. Nós somos somente uma cópia barata daquilo que querem que sejamos, até o que pensamos é cópia, mas cópia barata. Não aquela colorida. É no preto e branco mesmo, com manchas de tinta

Um acaso no caso

Talvez essa ideia de texto livre seja uma coisa boa, no final das contas. Mais uma vez esqueci meu caderno de textos, dessa vez por vontade própria. Deixei ele lá, não na cabeceira, na mesa do trabalho mesmo.

Na hora do almoço, tentei procurar por aquele mesmo homem da terça, que julgo ser único. Sem sucesso. Sua amizade com a cadeira vazia deve ter acabado ou simplesmente nunca existiu amizade.

Em algum momento de nossas vidas, faremos a seguinte pergunta: eu estou louco? Esse momento chegou para mim. É triste dizer isso, mas sinto de verdade que chegou. 
Como as pessoas podem entrar e sair da vida de alguém assim, sem ao menos deixar um guardanapo discado de bilhete? Hoje aconteceu de novo, bem no meio de uma semana.
Perdi o ônibus que pego compulsivamente no mesmo horário. Acenei para o motorista, que acenou para mim. E foi embora. Acertei no gesto, pensei. Um gesto de despedida. Tive que pegar o segundo ônibus, um ônibus diferente, com aromas e pessoas diferentes. O outro tinha cheiro de pão mofado- e isso tem cheiro?- enquanto esse cheirava a café forte. Mesmo gostando do bom e velho companheiro, estranhei seu aroma. 

Gritei para o motorista liberar a catraca. Uma desconhecida me respondeu, uma voz que pertencia ao homem que dirigia o ônibus. Indo para o fundo, fico ao lado de um homem sentado. Usava um suéter preto, com algumas bolinhas de cobertor. Era pálido, na luz era translúcido. Subi meus olhos para sua cabeça. O cabelo liso, meio jogado de lado. Aqueles olhos, olhos conhecidos. Foi então que no meio de tantas pessoas diferentes, eu conhecia alguém. 

Você parece alguém que ja vi, ou melhor, que já ouvi. O homem olhou vagarosamente para mim. Não respondeu. Voltou seus olhos para um grande nada do lado de fora da janela. 
Não era para eu vê -lo. Nem somos próximos. Não faz nem um mês ao certo que te conheço. O homem nada disse, continuou com o que estava fazendo. Pensei em uma última pergunta, mas ja já descer no próximo ponto. 

Desci e entrei na rua que sempre entro. Pensando ainda na última e decisiva pergunta, lembrei e grave falta que cometi. Assim como todos os outros, esqueci de deixar um bilhete de despedida.

Talvez amanhã eu deixe, se nos encontrarmos.

( acreditar que não foi uma despedida alivia um pouco mais a minha pesar consciência )
( assim espero )
( e quem sou eu para encontrar David Bowie no ônibus?)

Conto Paulista

Escrevi muitos bilhetes para serem lidos e re-lidos. No guarda-roupa empoeirado, todas as cartas que recebi como resposta a tantos questionamentos e não-novos-lamentos continuam me encarando, como se tudo fosse tão óbvio- e seria óbvio tudo o que sentimos?

Causa revolta. Levo carta por carta no bolso fundo da calça, sem me importar se vão amassar ou não e resolvo sair um pouco de casa. Ser social, eu imploro. Quem sabe assim o dia não termine em paz.
Chegando na consolação, penso na hipótese de que talvez todo escritor possua diversos heterônimos, como Fernando Pessoa descobriu. Ontem mesmo, Domingo na Paulista, encontrei um. Cabisbaixo, transbordando melancolia. Carregava consigo um caderno de textos, assim como o que levo na bolsa- até a capa marrom com rabiscos por todos os cantos é idêntica. Passeava pela Avenida vagarosamente, como se estivesse pronto para o abate.
Ele sujava as largas ruas da Paulista com todo o seu pessimismo, que escorria pelas gordurosas páginas do seu caderno. E toda a cidade parecia entrar nessa dança sem ritmo.


Como bom antônimo que sou, tentei ajudá-lo. Apresentei todos os lugares que nunca apresentei a ninguém. No vão do MASP, declamei uma antiga poesia que criei sem me importar com a ausência de público. Nada de palmas. Quanto ao meu heterônimo, bem, em nada mudou.


Chegara o fim do dia. Estávamos na Pamplona, quando meu próprio eu parte sem dizer adeus. Ia, ainda tentando ser forte, ainda cabisbaixo. Sem poder fazer nada, acompanhei com os olhos aquele que procurava um sentido pra tudo que rodeava sua cabeça. Tiro do bolso todas aquelas cartas que estavam guardadas. Lanço para o ar, na esperança de chegarem até as dúvidas das pessoas certas. Até agora espero uma resposta. Se receberam ou não, isso ainda é incerto. Talvez seja melhor esperar mais um pouco.

Isso não é coincidência

Vai José, a velha música que toca, o velho sapato do homem ao lado. A cidade caiu, ouvi isso de alguém, um artista passando na rua. Caiu mesmo, pensei, tinha nas mãos e deixei que caísse. Caiu no chão ao lado da moça de pé no ônibus que usa a mesma jaqueta Jeans para voltar para casa. Jaqueta essa igual a que comprei, mas sem seus botons. Botons para deixá-la mais bonita. A jaqueta. A moça que continua de pé, mas prepara-se para sair. Eu quero essa moça. Não por desejo de possui-la, mas para toda vez que eu estiver sentado no mesmo ônibus, tirá -la do bolso da calça para que esteja onde deve estar: fazendo companhia a uma pessoa que não conhece, mas que já viu. Sempre vê. Tento adivinhar seu nome. Qual será? Isaura não é, talvez Josefa. Procurei em todos os seus botons da jaqueta e nenhum me contou qual era. 

Mas ainda estou falando nisso, por quê? Isaura-Josefa-não-sei-mais-o-que agora está sentada no fundo do ônibus. Deve estar esperando alguém. Talvez o rapaz que sempre passa pela catraca sorrindo. O mesmo rapaz pálido, com uma tatuagem próximo à orelha esquerda. O símbolo de peixes, que ainda continua aonde deve estar. Há um lugar vazio ao meu lado, mas o rapaz nunca enxerga o mesmo lugar vazio de sempre. Por que as pessoas nunca enxergam o que sempre está vazio, mesmo não estando. Vitor-Pedro-não -sei-mais-o-que-pensar vai para o fundo. O fundo que já é seu. Senta-se ao lado da moça, lhe entrega um botom laranja, ontem foi vermelho. Sexta foi vermelho de novo.

Saio sem saber o desfecho de tudo isso. Nunca sei. Nunca saberei. Não é coincidência os dois nunca descerem antes de mim. Sabem que todos os dias há alguém que escreva sobre os dois. 

Não seria coincidência também eu querer um botom vermelho de Vitor-Pedro-não -sei-mais-o-que-pensar. Só para cobrir essa minha jaqueta tão despida, que treme de tanto estar descoberta. Não é coincidência, nem pedir demais.

Minha liberdade

É minha, sempre foi. Mas também pode ser sua. A gente se espreme um bocadinho no vagão e aos poucos chegamos lá. Não precisa ter pressa, já estamos na Sé. Mais uma e pronto. Não tem problema de nos atrasarmos. A escada rolante continua no mesmo lugar, continua quebrada. Eu sei que é chato ter que subir todo aquele lance de escada, mas se contarmos até dez já estaremos nas catracas. Posso te esperar por lá mesmo, se preferir. Caso um de nós se perca nessa hipérbole de baldeação que tem o nosso metrô. Sim é nosso. Podemos estar em qualquer lugar da cidade. Não só nós, Mas toda a multidão que me acompanha. Nesse mesmo momento um homem mais alto que eu lê cada palavra que escrevo. Não há o que fazer, insisto. Ou termino isso aqui ou seguro na barra de ferro para não cair em cima da grávida do assento preferencial. 

Meu Deus, mas que demora. As portas não fecham, as pessoas não param de insistir em entrar. Por favor, seu-moço-que-dirige-o-trem, avisa que não dá mais, avisa que precisamos chegar na próxima estação. 

É preciso liberdade. Mesmo à noite, é possível ver a beleza que esconde. Os postes de luz clareiam um pouco a rua e ilumina a alma do pobre cidadão que não sabe o que quer dizer "amor". Não sei por que estou pensando nisso, talvez assim eu pare de insistir em fazer o trem andar, mas ele continua parado. 

O homem não observa mais o que escrevo. Privacidade no que é público, chegamos aos finalmente. Engraçado, em cada estação encontro pessoas que um dia eu quis encontrar por vontade própria. Os rostos mudam, o corpo também, mas aquele resto de alma no canto do olho continua o mesmo. Também encontro pessoas pela primeira vez. E é aquela primeira vez em que a gente sente uma vontade de sentar e tomar um café enquanto conversa sobre qualquer coisa. Então a porta se fecha e toda aquela história criada pela cabeça vai embora, dando lugar a mais uma fantasia.

Desculpe o tanto de coisas ditas, mas é preciso. O metrô já está para fechar e ainda não consegui deixar a Sé de mim. Mas eu sei que você entende, pois eu também entenderia se não fosse eu o protagonista da minha própria história. 

Pode demorar um tempo para que eu volte. Talvez seja melhor esperar sentado em uma parede qualquer. Só saiba que se um dia quiser me encontrar, estarei perto de uma tal Liberdade, tentando chegar. Mas um dia chegarei, só posso te prometer isso. Chegarei! E as luzes do vagão se apagam.

Samuel não foi à escola

Samuel não tem vergonha. Tão crescido, tão vivido, bem acabado. Estava de plantão na Amador Bueno, vendendo bala na rua só para encher a barriga e aquecer o corpo com um vinho seco horrível que só ele gosta. Samuel passou a beber comigo, lá naquele fim de mundo de boemia. Bebeu uma, duas vezes. Na terceira, eu já estava cheio do mesmo trago e da mesma dor de cabeça que a ressaca traz. Na terceira vez, Samuel quis uma quarta, uma quinta, até resolver morar no bar.

Não quero me intrometer na vida de ninguém. Cada um possui seu próprio vício. Larguei da bebida para me jogar no cigarro e café. Não sinto mais a ressaca, mas também não sei mais para que serve a cama no meu quarto, de tanta insônia que sinto.

A questão é que o problema da minha vida é um caso a parte. Odeio dizer isso, mas me preocupo muito com Samuel. Já faz um bom tempo que não vai à escola. Não posso mais responder a chamada em seu nome, não dá para ir bem em física por ele. Mas eu sei que o verdadeiro Samuel nunca levou bomba em física e agora estava levando. O Luís estava a um passo de descobrir toda a nossa farsa. Passou trabalho em dupla: eu e Samuel.

Desde a nossa última conversa eu tenho pensado bastante em tudo que faço. Eu sei que não foi justo pegar e te abandonar no meio do coletivo entupido de gente só pata me matar mais um pouco com o cigarro. Eu tento parar de ser assim, Samuel, mas chega um ponto da nossa rotina que qualquer vício é válido para fugir dessa droga que é a nossa semana. Você mesmo sabe como ela é. Segunda e final de semana já são as mesmas coisas.

Fui até a Amador Bueno, comprei aquele vinho seco horrível, perguntei seu nome em cada bar. Você só tem dezessete anos e acredite: isso é muito tempo. Mas não sabe de nada, nós não sabemos de nada. Vivemos até o último suspiro sem saber.

Estou voltando para casa. Hoje não vou para sua casa, Samuel. Tua mão não acredita mais na sua volta. Eu preciso acreditar...

Mesmo que nada dito faça o menor sentido, saiba que estou preocupado de verdade.
Vou deixar o telefone no gancho, caso ligue para mim. Já faz tempo que não durmo mesmo, mais uma noite não faz diferença. Ligue a qualquer hora.

O vinho não é tão ruim como antes, a física não é mais tão embaraçosa. Talvez sejamos parecidos, Samuel. Por isso, não tenha tanta pressa em voltar. No final de tudo, você continua a ser visto, a ser ouvido. E talvez o único desaparecido por aqui seja eu, mas isso já tem tempo e o ser humano possui memória curta. Nesse momento, até mesmo você nem sabe mais quem eu sou. Mesmo assim, ligue. Podemos conversar um pouco sobre algumas coisas em mim que eu detesto e que você adoraria ouvir. Uma delas é que sempre te odiei. A outra é que nem sei se você é real. Mas tenho certeza que nossa conversa será interessante.

( A personagem não possui mais condição de continuar seu diálogo; sai de casa e compra um novo espelho... o antigo quebrou de tanta lamentação em primeira pessoa. Espelho é um bom ouvinte, afirma a personagem... sua única certeza real sobre algo)

Trânsito


[

Podia estar na praia
Tentando escrever algo descente, afinal
Trocar buzina
Dedo do meio
Por um pouco de sol
... um pouco de nós. 
Tudo que não é pouco faz mal.
Aprendi com o nosso não tão pouco
Que ainda insisto com um pouco mais.

( e mais um carro bate)
( é gente pra todo canto que não acaba mais)

]

Crônica de Segunda

Olhei o horóscopo - duas vezes hoje e em jornais completamente diferentes. O que diziam? A mesma coisa que leio desde os sete anos de idade, quando um parente meu- não lembro quem foi, só de sua voz- leu uma revista de bairro para mim. A pessoa então olha para um início de ser que eu era e lamenta com antecedência. Descubro então que tenho o Sol em Áries. Poxa, é um nome bonito – respondo com a inocência que talvez até hoje tenho. Mas para o parente isso não interessa, fui condenado e agora devo seguir em silêncio com esse fardo em ser ariano. 

Eu então tirei a revista de bairro das mãos desse parente e fui para um canto ler o restante. Bom, ler eu ainda não sabia muito bem – só algumas palavras como: casa, amor, boneco. Eram doze imagens diferentes, doze signos que alguém algum dia disse serem diferentes. Olho cada um olho a olho e escolho um – acho que foi gêmeos ou libra. Volto para o mesmo lugar de antes e aponto a imagem da revista para o parente. Digo que quero ser aquele, tenho que ser aquele. Por alguma razão cósmica ou infantil eu devo e necessito ser aquele. Mas escolhas são coisas que um garoto de sete anos nunca vai entender a seriedade disso – nem mesmo pessoas adultas entendem, nem mesmo eu entendo ainda. O parente quase cai da cadeira em que está e diz que isso é um A-B-S-U-R-D-O. Isso-não-é-uma-coisa-a-ser-escolhida-ou-você-é-açúcar-ou-você-é-sal-seria-muito-mais-fácil-se-as-coisas-fossem-assim-mas-vai-brincar-criança-que-um-dia-eu-te-explico-melhor-como-é-essa-coisa-de-signos-nem-mesmo-eu-entendo-mas-como-sou-adulto-eu-tenho-que-entender-caso-contrário-eu-não-estaria-te-contando-isso-agora-mas-tenha-calma-eu-sei-que-ariano-é-meio-impaciente-mas-eu-te-peço-só-um-pouco-mais-para-você-não-ficar-com-isso-na-cabeça-a-vida-inteira-signos-são-só-bobagens-nada-disso-que-falam-realmente-acontece-é-só-uma-maneira-de-descontrair-a-vida-um-pouco-vai-brincar-vai-pode-ir-e-deixa-essa-revista-que-preciso-ver-o-que-meu-signo-diz.

Engraçado, nem sei ao certo se isso realmente algum dia na minha vida de fato aconteceu – como isso aqui é uma crônica ela deve conter só fatos do cotidiano, mas agora já foi e cansa tentar apagar tanto erro nosso – só tenho a certeza de que um dia alguém me contou isso. Não poderia, na idade que eu tinha, inventar uma coisa dessas.

O problema é que hoje é Segunda-Feira. O problema talvez não seja a Segunda em si, porque Terça também não é um dia bom e nem toda Sexta é motivo de alegria, sem contar no Domingo que não é essa maravilha toda que falam. O problema deve ser eu mesmo. Peguei uma mania terrível de ler meu horóscopo em jornais diferentes e comparar cada um, assim fica mais fácil decidir qual devo me importar- peguei esse vício graças a porcaria de um conto espetacular. Esse é o problema mesmo, nada flui naturalmente, nada anda por vontade própria. Tudo está sendo exatamente, planejado-calculado-revisado-analisado-planejado-calculado-revisado-analisado-analisado-revisado-calculado-planejado-analisado. 

É demais pedir um pouco de anomalia nas coisas? Eu sei que não é, mas é muito difícil tentar ser diferente em uma Segunda, porque ela não é a primeira Segunda que enfrento e a Terça de amanhã sei que não é novidade, da mesma forma que Sábado será ensolarado e depois nublado. Falta alguma coisa que até agora não consegui perceber. Alguma coisa falta que agora até perceber não consegui. Então termino de escrever essa crônica e tomo um pouco de café, que já tem o mesmo gosto de sempre – e dá para mudar isso?. Assim que resolvido esse caso, volto a escrever.

Crônica de Quinta

Era para a de Terça e Quarta estarem na frente da de hoje, mas falta tanta coisa, sabe. Coisas que a gente nem para um minuto do nosso precioso tempo pra pensar que essas mesmas coisas um dia fizeram falta. Sinto falta também do caderno de textos, mas não consigo mais escrever nele e passar o texto recém fabricado para o computador. Só tenho tempo de usá-lo para anotar palavras anônimas que surgem no meu dia. Hoje mesmo anotei uma de uma vendedora na Penha. Ela disse insuportável. Tinha cara de Juliana, mas arrisquei Ana. Você tem razão Ana, está insuportável.

A crônica de hoje pode parecer algo longe de ser profissional, mas é o que sou no momento, entretanto, todavia, por esse sucinto motivo... contarei o ocorrido. É um assunto que achei já ter resolvido, mas continua mal resolvido. AS PESSOAS QUE CHORAM NO ÔNIBUS. São tantas e nem percebi. Aconteceu hoje, novamente no 573 e novamente com a mulher que tem cara de Ana, mas arrisquei Juliana. A gente não chega a se falar. Para mim, é mais uma pessoa que passa da catraca e dá sinal para descer. Para ela, sou mais uma pessoa que já passou da catraca e está sentado enquanto ela dá sinal para descer. É só isso, infelizmente. Tem gente legal no ônibus também, por incrível que pareça. A primeira vez que encontrei Juliana/Ana (aqui uso os dois nomes para corrigir minha ambiguidade) ela estava chorando, algo muito sério deve ter acontecido. E é horrível quando isso acontece conosco, não a parte de chorar- chorar alivia, até mesmo com o clichê que é chorar-, mas sim a parte de ser o espectador de tudo isso. A gente fica meio sem reação, fica naquela dúvida de perguntar ou não se a pessoa está bem, mas sabe que aquele momento é único e exclusivo dela. Ana/Juliana olhava algo pela janela, algo que só existia dentro de sua cabeça. Talvez fosse a solução para parar de chorar ou mais motivos para o pranto. Aqueles dez minutos foram cruéis para mim. Perguntei a uma pessoa que é muito boa nessas conversas e dúvidas que formulo. Tranquiliza saber que não sou o único que se preocupa quando alguém está triste. O nosso papo foi sem café e máquina de escrever (por sinal, estou pensando em comprar uma Olivetti portátil que encontrei em um brechó perto de casa por um bom preço), mas foi bom do mesmo jeito. Resolvi deixar isso um pouco de lado, talvez porque eu tenha esquecido do que aconteceu – minha memória anda tão urbana ultimamente.

Fiquei um bom tempo sem encontrar Juliana/Ana no 573. Dois meses e cinco dias depois, ela estava lá. Mudou o banco de costume, abandonou a janela do lado esquerdo do ônibus. Todos nele tinham uma cara de morto-vivo pós expediente, até mesmo a minha cara estava assim. Fui caminhando até o final do corredor esperando pelo pior. Foi quando a surpresa veio. De todos, a cara de Ana/Juliana era a mais alegre. Nem parecia Paulista que acorda mais cedo para poder sentar na janela do ônibus e poder pegar o metrô na Sé sem ser esmagado por completo. Não tinha a aparência de antes. Agora exibia um sorriso de confiança, o mesmo sorriso que damos quando vem um feriado em que dá para emendar. Aquilo era curioso e incrível ao mesmo tempo. Foi quando percebi o quão instáveis somos. Tem semana que tenta sair com o pé direito de casa e faz o sinal da cruz com água benta na testa, mas não tem jeito, meu amigo: tudo desanda. Uns chamam de azar, eu acho sorte e azar coisas muito simples e tiram todo o crédito do menino destino. Agora tem semana também que a gente pede de joelhos para que permaneça, de tão boa que é e de tudo de bom que acontece. Conversei isso com o meu Psicólogo/Acupunturista, mas não posso escrever aqui o que foi dito, temos um contrato de sigilo absoluto. Ele diz que faz parte do progresso das consultas. Eu digo que tenho preguiça de contar tudo o que conversamos. Amanhã já é Sexta e sei que não encontrarei ninguém triste nas ruas e no próprio 573. Até Sexta-Feira 13 tem seus motivos para comemorar. Continuo a pensar nessa instabilidade que somos/temos...

Teatro



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As moças da feira insistem em dizer 
No lindo espetáculo que me aguarda
Atrás das enormes cortinas, maquiagem e figurino
Para que todos da plateia possam ver

Ah, mas que coisa linda é o Teatro
É vida de artista dentro e fora do palco
A gente vive um drama quando perde o ônibus 
E comédia quando o quinto dia útil chega

Teatro nunca tem fim e nada do que está no roteiro é seguido
Pode-se dizer que a vida é a melhor peça escrita pelo homem...
... e o homem continua escrevendo-a

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04 de Outubro



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Enviei uma carta à Ana/Márcia/Paula


Escrevi tudo de bom que uma pessoa como ela

Fez por mim
Fui breve, algo que intangível em mim




Coloquei na caixa de correios 

Endereço, selo, cola 
Remetente e destinatário 

Há dias não tenho uma resposta
Talvez Paula/Márcia/Ana tenha saído do país 
Ou mudado seu endereço
Mas saiba que continuo aqui
E dá uma tristeza ver minha caixa de correio vazia
É simples, comprei só para recepcionar bem sua resposta
Continuo aqui!

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