segunda-feira, 14 de novembro de 2016

Visita à loja de discos

Dessa vez não é e nem foi brechó. Foi um muquifo de lugar. Mas o que posso fazer, se só me resta este tipo de lugar mal frequentado para achar alguns LP’s?



E entro, encoxo, sufoco, esmago velhos nomes com o meu corpo. Acabo de pisar em Caetano. Ora, seu moço, me desculpe, por favor! Com o sorriso ainda no rosto, continuava com o microfone próximo à Laringe, chegando aos lábios, como se fosse cantar um de seus grandes sucessos. Nada fez, a cena parecia estar pausada naquela capa toda rasgada. Desculpei-me, mesmo assim.



Mais em cima, no ombro direito, as marcas da insônia da noite passada ainda estavam nele, encontro Gil, o Gilberto. Estava prestes a gritar por estar sendo dilacerado por mim . Retiro o ombro, como alguém que reage a uma descarga elétrica. Ainda está lá, gritando comigo. Faço o sinal da cruz e em seguida bato padê. Axé, seu Gil.

Foi com a testa que encontrei Renato. Por que ofereces uma rosa a mim, se gosto de orquídeas? Nenhuma resposta, só insistência. Mas que pena, sua rosa está toda mofada, assim como os morangos que comi ontem. Continua insistindo, mas para o que? Para que eu fique aqui? Para que eu vá embora? Para que eu insista em insistir em algo sem insistência?


O dono da loja pergunta se está tudo bem. Segurando Cássia Eller, digo que está e peço uma água gelada, no copo de vidro, por favor!



Algo pinica minha mão. Fico na dúvida se foi a Cássia, prestes a rugir para mim, ou o besouro que fazia do LP sua casa. Não se preocupe Cássia Eller, te coloco de novo na estante alfabeticamente empoeirada. Uma última espiada. Ia rugir, a qualquer momento, e eu não queria estar por perto quando isso acontecer.



A água veio em boa hora. O calor era de matar, a sede ia gritar de dor. Duas goladas, cuidado para não engasgar e acabar morrendo na frente de todas as vozes desse meu Brasil, que é meu, é seu, é nosso. Isso não aconteceu, graças a Oxalá.



Coloco o copo, com água condensada por todo o vidro, na bancada, bem em cima da praia do LP do Cícero. O que faz aqui, nesse fim de mundo? A água condensada escorre e vira parte do mar, criando ondas que transbordam até a areia, que respinga na bancada do vendedor, que derrama por todo o piso emborrachado. Eu não tô entendendo mais nada. O vendedor diz que isso é normal de acontecer, disse que é a “febre das novas vozes”. A água continua subindo. Toco na parede, que não é mais parede. Agora era areia fina, que despedaçava entre meus dedos. Chega! Já está no teto, não sei nadar!



Prendo a respiração, não tem para onde fugir. Abro os olhos dentro de todo o incolor da água. Estão todos ali, nadando sobre minha cabeça. Até você, Nando? Afinal, belo traje de banho!



Não vai dar, o fôlego tá acabando! Uma mão me puxa e vejo o dono dela. De repente, Tim Maia me puxa até uma pequena porta, que até então não existia, imersa dentro de toda aquela água. Uma última olhada para trás, adoro fazer isso, todos estão acenando, como se não fosse uma despedida. Abri a porta e, junto comigo, toda a água salgada e areia foram parar no meio-fio.



Encostado, perto da parede de uma casa vizinha e fumando, o dono da loja pede desculpas. É que eles se empolgam quando aparece gente nova. Volte sempre, mesmo que não leve nada.



O ponto de ônibus era logo em frente. A minha preocupação não era nem se o motorista ia me deixar entrar no ônibus todo encharcado e sim o que poderia acontecer quando eu botasse o LP do Cazuza pra tocar. O que se pode esperar de alguém exagerado?




( Fui embora a pé mesmo )

( O motorista não me deixou subir )

Nenhum comentário:

Postar um comentário