segunda-feira, 26 de janeiro de 2015

Memórias de papel

 Quando toda a cidade havia reparado na repentina mudança eu ainda não sabia o que estava acontecendo.Era época de ventanias e todos os objetos leves dançavam pelo ar.Confesso que as lojas de chapéis lucravam muito.Só naquela semana o vento já havia me tirado dois.Por um motivo que ninguém sabia,as ruas estavam cheias de textos não assinados.Algumas pessoas-como eu- nem notaram aquelas folhas de caderno,cada uma de uma cor.Todos tinham o tema diferente.Pensei que aquilo não passava de uma brincadeira e que nos próximos dias tudo acabaria,mas para a minha surpresa,não acabou.
 Foi na volta do trabalho que vi uma cena surpreendente: Um garoto sentado em um banco da pracinha,escrevendo em um caderno todo azul-em algumas partes do caderno estavam coladas algumas figurinhas de futebol- e quando terminava de escrever arrancava a folha do caderno e jogava para o ar.Talvez aqueles textos jogados pelas ruas seriam dele.Ou talvez seria apenas uma coincidência.Fiquei ainda mais meia hora por lá e decidi ir embora.O garoto continuava escrevendo sem ter um limite.
 No dia seguinte,passei pela a mesma praça e percebi que ele não estava lá.Fui embora com a certeza de que aqueles textos não eram dele,foi quando eu o vi sentando em frente a um campinho de futebol.Pensei em me aproximar,mas como estava sempre escrevendo decidi não atrapalhar.Naquele momento tive a certeza de que todos aqueles textos eram obra daquele garoto de apenas 11 anos.Aquilo me deixava muito curioso,afinal,como um garoto de tão pouca idade conseguia criar histórias tão bem elaboradas.Escrevia não se importando  com nada,só queria terminar uma história para começar outra e espalhá-las,com a esperança de que alguém leia.E alguns cidadão leram.Amigos meus da firma me disseram que nunca alguém escreveu histórias tão simples,mas que são tão verdadeiras.Comprei um caderno novo para ele -azul com listras brancas-e um estojo completo.
 Fui à procura do garoto.Ele não estava na pracinha,nem sentado no campinho de futebol.Estaria olhando para uma loja de brinquedos e se imaginar lá dentro?Quem sabe até em um planalto,dando vida a suas obras?Infelizmente ele não estava em nenhum desses lugares.Estava escurecendo e nada dele.Onde estaria o menino que escreve de tudo e deixa suas memórias correrem soltas pelo ar?Encontrei um texto dele- acho que o vento me trouxe de presente- e me perguntei qual seria a sua motivação.Encontrei o garoto deitado na grama de um parque.Fiz a pergunta e ele não se ofendeu nem foi de falar muito,apenas disse? Olhe para cima.O céu estava muito azul e quase não havia nuvens-um mar em cima de nossas cabeças.Foi quando eu descobri a inspiração do garoto: Ver o que os outros não vêem - ou ver as coisas de um jeito diferente.
 Isso já faz um ano e hoje escrevo,mas não como aquele menino.Acho que tudo na vida é uma questão de como vemos as coisas.Felizmente,o garoto não conseguia enxergar a realidade,preso em suas memórias de papel.

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