segunda-feira, 14 de novembro de 2016

Conto 28

Rômulo era amigo de Tadeu. Quando não estavam na escola, corriam pelo bairro da Penha sem rumo até um dos dois deitar no chão e pedir arrego. Era difícil, talvez por Rômulo ter a competitividade de um Ariano e Tadeu ser teimoso de um jeito que dó um taurino é. Quando nenhum dos dois se dava por vencido, quem decidia o vencedor era a conhecida amiga deles: a lua. Muitas histórias em que a lua aparece de boa moça, sempre é vista como um amor platônico daqueles que o escritor perde tudo, vida, amigos, tempo, mas não perde a oportunidade de escrever mais um parágrafo sobre ela. A lua, na história de Rômulo e Tadeu, é somente um espectador curioso com o caso e acaso. 

Tadeu morava em um barraco próximo à Av. Gabriela Mistral. Rômulo morava perto do amigo e esse perto só existe por conta da cortina que separa um colchão do outro, senão morariam no mesmo lugar. Tadeu adorava sua casa e fazia dela um verdadeiro palácio - tinha mentalidade e tempo na terra para dizer isso. Rômulo, com seus nove anos, era um materialista precoce e não tinha mentalidade e tempo na terra para ser isso. Mesmo com essa grande diferença, os dois são bastante parecidos. 

Rômulo nasceu no dia 25 de Março e Tadeu 20 de Abril. Os dois frequentavam a mesma escola e estudavam na mesma sala. Não tinham amigos: a escola ficava mais tempo fechada para uma reforma que nunca acontecia, assim o tempo de convívio com outras crianças era bem pouco. Quando andavam pela Gabriela Mistral inteira e Doutor João Ribeiro, encontravam outros moleques que moravam nos outros barracos. Tinham olhos desconfiados e um vazio na alma. Aquela era uma realidade conhecida para eles. O tráfico comia solto na Penha de forma sutil e mortífera, como sempre foi. Não quero terminar assim, disse Tadeu. Um dia terminaremos, meu irmão disse isso, falam que pagam bem pra nois. Rômulo, mesmo com idade igual a Tadeu, parou de enxergar o mundo com os olhos de uma criança há muito tempo. Não podemos acabar assim, Tadeu ainda insistia. Gostavam da mesma menina que passava na rua com uma bicicleta Verde que aparentava ser marrom de tanta sujeira. Desejavam a garota, não do jeito adulto. Era um desejo puro que nem pairava na cabeça desses dois. 

Pareciam viver em uma rotina agradável. Aventuravam-se na mesma esquina e, acredite, algo novo sempre surgia para diverti-los. Mas com tempo muita coisa mudou. Rômulo era lentamente corrompido pela sua própria realidade. Não conseguia mais mascarar tudo da mesma forma que Tadeu fazia naturalmente. Era sufocante ser traído pela própria escassez de imaginação. 
Teve vida curta, assim como esse texto. A vida de aviãozinho decolou por pouco tempo. Morto com um tiro de orelha a orelha por um homem encapuzado e com o cano da arma saindo fumaça na noite fria que faz em São Paulo. Ninguém reconhecia o corpo daquele garoto de Nove anos. Nas roupas que usava, nenhum tipo de documentação, nada. Só guardava no bolso direito uma moeda antiga que ganhou de um amigo muito parecido com ele no dia em que vasculharam um ferro velho em busca de tesouros.

Tadeu está arrasado. Nem sua imaginação pode ajudá-lo nesse momento. Agora, teme a morte. Teme acabar com o mesmo destino do amigo. Não anda mais pela Gabriela Mistral. Na verdade, não anda por mais nenhum lugar. Faz dois dias que não dá as caras. Talvez esteja dando um tempo para esquecer tudo isso. Talvez esteja procurando vingança. Mas meu amigo, a vingança é dolorosa e leva junto quem a pratica. Espero que Tadeu retorne. Não pode ser parecido co Rômulo até mesmo na morte. Mas só tem nove anos, quem pensa em morte nessa idade? 

Um garoto da periferia, gritou um menino para que todos dentro do ônibus em que eu estava pudesse ouvir. Aguardo Tadeu.

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