segunda-feira, 14 de novembro de 2016

Crônica de Quinta

Era para a de Terça e Quarta estarem na frente da de hoje, mas falta tanta coisa, sabe. Coisas que a gente nem para um minuto do nosso precioso tempo pra pensar que essas mesmas coisas um dia fizeram falta. Sinto falta também do caderno de textos, mas não consigo mais escrever nele e passar o texto recém fabricado para o computador. Só tenho tempo de usá-lo para anotar palavras anônimas que surgem no meu dia. Hoje mesmo anotei uma de uma vendedora na Penha. Ela disse insuportável. Tinha cara de Juliana, mas arrisquei Ana. Você tem razão Ana, está insuportável.

A crônica de hoje pode parecer algo longe de ser profissional, mas é o que sou no momento, entretanto, todavia, por esse sucinto motivo... contarei o ocorrido. É um assunto que achei já ter resolvido, mas continua mal resolvido. AS PESSOAS QUE CHORAM NO ÔNIBUS. São tantas e nem percebi. Aconteceu hoje, novamente no 573 e novamente com a mulher que tem cara de Ana, mas arrisquei Juliana. A gente não chega a se falar. Para mim, é mais uma pessoa que passa da catraca e dá sinal para descer. Para ela, sou mais uma pessoa que já passou da catraca e está sentado enquanto ela dá sinal para descer. É só isso, infelizmente. Tem gente legal no ônibus também, por incrível que pareça. A primeira vez que encontrei Juliana/Ana (aqui uso os dois nomes para corrigir minha ambiguidade) ela estava chorando, algo muito sério deve ter acontecido. E é horrível quando isso acontece conosco, não a parte de chorar- chorar alivia, até mesmo com o clichê que é chorar-, mas sim a parte de ser o espectador de tudo isso. A gente fica meio sem reação, fica naquela dúvida de perguntar ou não se a pessoa está bem, mas sabe que aquele momento é único e exclusivo dela. Ana/Juliana olhava algo pela janela, algo que só existia dentro de sua cabeça. Talvez fosse a solução para parar de chorar ou mais motivos para o pranto. Aqueles dez minutos foram cruéis para mim. Perguntei a uma pessoa que é muito boa nessas conversas e dúvidas que formulo. Tranquiliza saber que não sou o único que se preocupa quando alguém está triste. O nosso papo foi sem café e máquina de escrever (por sinal, estou pensando em comprar uma Olivetti portátil que encontrei em um brechó perto de casa por um bom preço), mas foi bom do mesmo jeito. Resolvi deixar isso um pouco de lado, talvez porque eu tenha esquecido do que aconteceu – minha memória anda tão urbana ultimamente.

Fiquei um bom tempo sem encontrar Juliana/Ana no 573. Dois meses e cinco dias depois, ela estava lá. Mudou o banco de costume, abandonou a janela do lado esquerdo do ônibus. Todos nele tinham uma cara de morto-vivo pós expediente, até mesmo a minha cara estava assim. Fui caminhando até o final do corredor esperando pelo pior. Foi quando a surpresa veio. De todos, a cara de Ana/Juliana era a mais alegre. Nem parecia Paulista que acorda mais cedo para poder sentar na janela do ônibus e poder pegar o metrô na Sé sem ser esmagado por completo. Não tinha a aparência de antes. Agora exibia um sorriso de confiança, o mesmo sorriso que damos quando vem um feriado em que dá para emendar. Aquilo era curioso e incrível ao mesmo tempo. Foi quando percebi o quão instáveis somos. Tem semana que tenta sair com o pé direito de casa e faz o sinal da cruz com água benta na testa, mas não tem jeito, meu amigo: tudo desanda. Uns chamam de azar, eu acho sorte e azar coisas muito simples e tiram todo o crédito do menino destino. Agora tem semana também que a gente pede de joelhos para que permaneça, de tão boa que é e de tudo de bom que acontece. Conversei isso com o meu Psicólogo/Acupunturista, mas não posso escrever aqui o que foi dito, temos um contrato de sigilo absoluto. Ele diz que faz parte do progresso das consultas. Eu digo que tenho preguiça de contar tudo o que conversamos. Amanhã já é Sexta e sei que não encontrarei ninguém triste nas ruas e no próprio 573. Até Sexta-Feira 13 tem seus motivos para comemorar. Continuo a pensar nessa instabilidade que somos/temos...

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