segunda-feira, 14 de novembro de 2016

Conto Paulista

Escrevi muitos bilhetes para serem lidos e re-lidos. No guarda-roupa empoeirado, todas as cartas que recebi como resposta a tantos questionamentos e não-novos-lamentos continuam me encarando, como se tudo fosse tão óbvio- e seria óbvio tudo o que sentimos?

Causa revolta. Levo carta por carta no bolso fundo da calça, sem me importar se vão amassar ou não e resolvo sair um pouco de casa. Ser social, eu imploro. Quem sabe assim o dia não termine em paz.
Chegando na consolação, penso na hipótese de que talvez todo escritor possua diversos heterônimos, como Fernando Pessoa descobriu. Ontem mesmo, Domingo na Paulista, encontrei um. Cabisbaixo, transbordando melancolia. Carregava consigo um caderno de textos, assim como o que levo na bolsa- até a capa marrom com rabiscos por todos os cantos é idêntica. Passeava pela Avenida vagarosamente, como se estivesse pronto para o abate.
Ele sujava as largas ruas da Paulista com todo o seu pessimismo, que escorria pelas gordurosas páginas do seu caderno. E toda a cidade parecia entrar nessa dança sem ritmo.


Como bom antônimo que sou, tentei ajudá-lo. Apresentei todos os lugares que nunca apresentei a ninguém. No vão do MASP, declamei uma antiga poesia que criei sem me importar com a ausência de público. Nada de palmas. Quanto ao meu heterônimo, bem, em nada mudou.


Chegara o fim do dia. Estávamos na Pamplona, quando meu próprio eu parte sem dizer adeus. Ia, ainda tentando ser forte, ainda cabisbaixo. Sem poder fazer nada, acompanhei com os olhos aquele que procurava um sentido pra tudo que rodeava sua cabeça. Tiro do bolso todas aquelas cartas que estavam guardadas. Lanço para o ar, na esperança de chegarem até as dúvidas das pessoas certas. Até agora espero uma resposta. Se receberam ou não, isso ainda é incerto. Talvez seja melhor esperar mais um pouco.

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