segunda-feira, 14 de novembro de 2016

Milésimo texto sobre Clarice Lispector

Não prometo que este seja o último, pois assim eu estaria mentindo para os meus leitores. E olha só o ego urbano subindo até Jah!

Enquanto os adultos prestam atenção no Jornal das Nove, eu, um já adulto, nem sei ao certo quem vai jogar amanhã- seria o Vasco contra o Santos?-, muito menos a previsão do tempo. Chega de previsões!

Só queria dizer que a encontrei e dessa vez não foi por mero acaso. Eu senti falta daquele rosto, daquela palavra que só faz sentido quando ela escreve em seu diário- todo mundo deveria ter um. Mas por dentro de todo esse esperado, ela consegue surgir do seu antônimo, da sua antítese. Confesso, fui atrás do Caio. Quem não iria, justo em uma sexta-feira pós trampo?- e tava braba a coisa.

Tateando cada nome da estante mais alta. Grandes nomes. Pedi desculpas ao Machado, por só ler três das inúmeras lamentações realistas, ou naturalistas, romancistas?- não sei, esqueci meu caderno de não esquecer as coisas em cima da caixa de som da vitrola, que antes tocava a trilha sonora perfeita para uma tarde, noite, a própria rotineira manhã. Passei o olho, rápido como final de semana, quando vi Neruda, rezando para que ele não se lembre das minhas dívidas literárias.

Seguindo uma ordem não alfabética, nem numérica- aleatória mesmo-, encontrei o C de Caio, que não estava lá, mas uma capa chamativa me lembrou que C também é de Clarice e Clarice também ocupa um espaço na minha estante.

A capa era simples, mas muito bonita. Em um preto e branco, típico das fotos antigas, estava Clarice, ainda A Jovem Clarice, prestes a escrever para inúmeros jornais e revistas. Usando uma camisa de somente duas cores e um lenço no bolso esquerdo da camisa, folheia algo parecido com um jornal, enquanto segura um lápis com a mão direita. O relógio no pulso esquerdo indica que o expediente estava longe de acabar. Clarice não demonstrava alegria, muito menos tristeza, só aquela velha e sábia certeza de que era ali que deveria estar. Pra falar a verdade, não consigo me lembrar de qualquer foto dela sorrindo. E precisa sorrir para ser feliz? Com Clarice nunca foi assim.

O livro era chamativo. Repousava na minha mão, louca para abri-lo. Um detalhe passou despercebido. Uma frase. Jornalismo. Foi isso. Era possível fazer, criar, em uma redação?- São sinônimos?. Foi o que ela fez na Pan, na A noite.

Perguntei o valor para a atendente que lia Camões. Entreguei o livro na mão que antes usava de apoio para um outro grande escritor. Uma analisada, viu o rosto Ucraniano naturalizado brasileiro, reconheceu o rosto. Olhou uma última vez, só para ter certeza de não estar vendo assombração em plena terceira Revolução Industrial- ou seria a quarta? Quinta?Milésima?
O caixa perguntou se eu aceitava uma sacolinha. Afirmei com a cabeça, só para ser educado. Agradeci e logo depois voltei à rua. E foi ali mesmo, no meio de rico e pobre, preto e branco, sol e noite, que parei um instante, coisa de cinco minutos. Tirei o livro da sacola, guardando-a no bolso da calça e comecei a folhar página por página, assim como a Clarice da capa- no fim, descubro que são tantas Clarices por aí-, só que sem lápis na mão direita, nem com lenço no bolso esquerdo da camisa. Só estava eu, um simples ser bucólico, adepto à melancolias, hipócrita, rindo feito criança quando vai ao parque. Sozinho em uma multidão da metrópole. Eu e um livro. E claro, um pouco de Clarice nele. Livro por livro, parte por parte. Será que no fim desse quebra-cabeça vou parar de escrever sobre a Clarice? Dificilmente, não!


( Na volta para casa, o ônibus lotou e o trânsito castigou)
( Mais um dia normal )

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